segunda-feira, 1 de outubro de 2012




Freud e o frenesi da cocaína 
nas rodas intelectuais do século 19

DWIGHT GARNER / "NEW YORK TIMES"

     O primeiro milionário da cocaína no mundo foi provavelmente Angelo Mariani, um químico francês natural da Córsega, como escreve o médico Howard Markel em seu novo livro, "An Anatomy of Addiction" (uma anatomia do vício). Nos anos 1860, Mariani juntou folhas de coca moídas a vinho de Bordeaux e vendeu seu "vinho tônico" sob a marca Vin Mariani. Cada 29 ml do Vin Mariani continham seis miligramas de cocaína.

     Um dos admiradores do Vin Mariani foi o ex-presidente americano Ulysses S. Grant (1822-85), que, aproximando-se da morte por câncer da garganta, tomava-o enquanto redigia suas memórias. O vinho foi elogiado por celebridades como Júlio Verne (1828-1905), Henrik Ibsen (1828-1906), Thomas Edison (1847-1931), Robert Louis Stevenson (1850-94), Alexandre Dumas (1802-70) e Arthur Conan Doyle (1859-1930). É divertido imaginar cada um deles em um anúncio de jornal do Vin Mariani, com legenda anunciando, como diria o comediante Lenny Bruce (1925-66) mais tarde sobre seu consumo de heroína: "Vou morrer jovem, mas é como beijar Deus".

     Markel é professor de história da medicina na Universidade do Michigan e autor de livros que incluem "When Germs Travel" (quando os micróbios viajam) e "Quarantine!" (quarentena!). Ele relata a história do Vin Mariani para revelar o grau de adesão de intelectuais à cocaína, uma substância inebriante até então desconhecida nos Estados Unidos e na Europa, na segunda metade do século 19.

     Cientistas se apressaram em explorar os usos possíveis da cocaína. Alguns acreditavam na capacidade dela de "energizar o mais indolente dos pacientes", escreve o autor, "e curar uma grande variedade de males crônicos como dispepsia, flatulência, cólicas, histeria, hipocondria, dores nas costas, dores musculares e disposições nervosas". Os pacientes podiam comprar cocaína nas farmácias, sem receita médica, do mesmo modo como hoje você pode comprar uma lata de Red Bull.

    Entre os que aderiram ao fervor que cercava a cocaína na década de 1880 estavam o jovem Sigmund Freud (1856-1939), o futuro pai da psicanálise, que na época praticava medicina em Viena, e o cirurgião William Halsted (1852-1922), que fazia o mesmo em Nova York e se tornaria um cirurgião inovador. Freud acreditava, desastrosamente, que a cocaína pudesse ser usada para curar a dependência de morfina; sua primeira publicação científica importante, "Über Coca" (1884), tratava da droga. Halsted estudou a cocaína como anestésico local para uso em cirurgias. Ambos fizeram experimentos livres com o pó branco. Ambos se tornaram dependentes.

INSIPIDEZ

     Em "Anatomy of Addiction", Markel entrelaça as histórias desses dois homens de maneira estreita, inteligente e, em vários momentos, elegante. Seu livro, elogiável em muitos níveis, sofre de uma insipidez difusa. Há poucas frases memoráveis ou insights encantadores. Frases feitas à moda de "pálido como um defunto" ou "evitar como uma praga" estão por toda parte. A impressão que se tem é de que esse livro foi escrito não a base de um pó estimulante boliviano, mas de chá de camomila.

     Mas Markel escreve bem, entre outras coisas, sobre a atração que a cocaína representava para médicos sobrecarregados de trabalho. Um célebre professor de medicina da época repreendia seus alunos, dizendo que "aquele que precisa de mais de cinco horas diárias de sono não deve estudar medicina".

     O que poderia haver de errado com a cocaína? Sobre os efeitos da droga, o autor escreve: "Não se trata da alegria despreocupada, do tipo 'amo todo mundo' que surge após algumas doses de uísque. Sob a influência da cocaína, uma pessoa experimenta uma sensação de autoconfiança extrema, sente-se quase eletricamente carregada de pensamentos mais rápidos e ideias melhores (pelo menos em sua própria visão, no momento da euforia induzida pela droga), fala mais rapidamente e tem uma apreciação maior de sensações como visão, som e tato".

     Freud gostava tanto da coisa que mais ou menos entre 1884 e 1896, quando estava na casa dos 20 e 30 anos e em seu período de consumo mais intenso de cocaína, não raro aparecia com o nariz vermelho e úmido. Ele dava cocaína a seus familiares e amigos. Usava-a para "fazer os dias ruins ficarem bons, e os dias bons, melhores", escreve o autor, e para aliviar "a dor de ser Sigmund".

    Suas cartas à noiva às vezes eram repletas de sentimento sexual, do tipo que uma fileira de pó pode instigar. "Vou beijar você até deixá-la vermelha e alimentar você até deixá-la gordinha", escreveu Freud. "E, se você for ousada, vai ver quem é mais forte: uma menininha meiga que não come o suficiente ou um homem grandão e selvagem com cocaína em seu corpo."

    Freud deixou de usar cocaína por volta de 1896, quando tinha 40 anos, antes de escrever as obras que o fizeram famoso. Markel toma o cuidado de não vincular estreitamente o consumo da droga por Freud às ideias posteriores dele. Mas oferece pequenas porções de especulação tentadora.

COCAÍNA E INCONSCIENTE

    Estudos acadêmicos recentes, ele escreve, ofereceram "ponderações nuançadas sobre a ligação entre o abuso de cocaína por Sigmund e suas ideias singulares acerca do acesso ao inconsciente por meio da terapia da fala; a divisão entre como nossa mente processa o prazer e lê a realidade; a interpretação dos sonhos; a natureza de nossos pensamentos e de nosso desenvolvimento sexual; o complexo de Édipo, e o desenvolvimento do id, ego e superego".

    Ele cita o historiador Peter Swales: "O conceito de libido de Freud não passa de uma máscara e de um símbolo da cocaína; a droga, ou, melhor, seu espectro invisível, espreita o conjunto dos escritos de Freud, até o final."

   Freud usava cocaína por via oral e nasal. Halsted, enquanto estudava as utilizações da droga como anestésico local, a injetava diretamente em suas veias. Ele se tornou muito mais dependente da cocaína, e esta quase arruinou sua carreira. Os dois homens eram contemporâneos e transitavam em círculos semelhantes, mas não há indicação de que tenham se conhecido.

   Halsted acabaria por passar algum tempo em um hospício, tentando livrar-se da dependência. Markel apresenta o argumento de que Halsted nunca chegou a superar seus vícios por completo e que continuou a abusar da cocaína e da morfina -mantendo-se funcional-- até o final da vida.

   Travar conhecimento com Halsted talvez seja um dos prazeres proporcionados por este livro. Ele foi possivelmente o maior cirurgião do mundo em sua época, pioneiro das salas de cirurgia livres de germes no hospital Johns Hopkins e de uma escola de cirurgia chamada Escola da Segurança. Criou as hoje onipresentes luvas de borracha para uso por profissionais médicos, depois de ver médicos e enfermeiras esfregarem as mãos com desinfetantes químicos até deixá-las em carne viva.
    Halsted não era um homem especialmente fácil de se gostar. Ao longo de sua vida, provavelmente em consequência dos picos e vales da dependência química, foi se tornando mais e mais rude, errático, irônico e raivoso. Mas é ele quem injeta alguma vivacidade áspera no plácido livro de Markel.

Tradução de Clara Allain

domingo, 1 de abril de 2012

Cocaína - Um ensaio de Aleister Crowley

publicado no jornal The International, em 1917.

"Outra vez o nariz sangrando ao caminhar"

Aleister Crowley
21 de Julho de 1918
The Magical Record of the Beast 666

"Há uma terra feliz, muito, muito, muito distante". Hino.

I.

De todas as graças que se aglomeram sobre o trono de Vênus a mais tímida e esquiva é aquela donzela a quem os mortais chamam Felicidade. Nada é tão avidamente perseguido, nada é tão difícil de se ganhar. Na verdade, apenas os santos e mártires, geralmente desconhecidos de seus contemporâneos, fizeram dela realmente sua, e eles alcançaram-na eliminando seu senso de Ego em si próprios com o aço incandescente da meditação, dissolvendo-se naquele oceano divino de Consciência cujo êxtase é paixão e perfeição.

Para outros, a Felicidade só vem como se fosse por acaso, quando menos esperada, talvez ela esteja ali. Procura, e não lhe encontrarás; peça, e não a receberás; batei, e não será aberta para vós. A Felicidade é sempre um acidente divino. Não é uma qualidade definida, é a flor das circunstâncias. É inútil misturar seus ingredientes, os experimentos da vida que a produziram no passado podem ser repetidos infinitamente e, com infinita habilidade e variedade - e será em vão.

Parece mais um conto de fadas que uma tal entidade metafísica possa ainda ser produzida em um instante não por meio da sabedoria, não por fórmulas mágicas, mas por uma simples planta. O homem mais sábio não pode adicionar a felicidade aos outros, embora sejam dotados da juventude, beleza, riqueza, saúde, humor e amor; o menor dos mendigos tremendo em farrapos, miserável, doente, velho, covarde, estúpido, um mero pântano de inveja, pode tê-lo com uma rápida fungada. A coisa é tão paradoxal quanto a vida, tão mística quanto a morte.

Olhe para este monte brilhante de cristais! Eles são hidrocloridro de Cocaína. O geólogo vai pensar de potássio; para mim, alpinista, eles são como brilhantes flocos de neve, floreando principalmente onde as rochas projetam-se das geleiras fendidas que o vento e o sol beijaram à fantasmagoria. Para aqueles que não conhecem as grandes montanhas, elas podem sugerir a neve que as árvores enfeitadas com flores cintilantes e luminosas. O reino das fadas possui tais jóias. Para quem as prova em suas narinas - a seu acólito e escravo - deve parecer como se o orvalho da respiração de algum grande demônio da imensidão fosse congelado pelo frio do espaço sobre a sua barba.

Pois nunca houve qualquer elixir tão instantaneamente mágico como a cocaína. Dê ela não importa a quem, escolha o mais desafortunado sobre a terra, deixe-o sofrer todas as torturas da doença, ter a esperança, a fé e o amor arrancados dele. Então, olhe, veja a parte traseira daquela mão gasta, a pele descorada e enrugada, talvez inflamada com agonizantes chagas, talvez pútrida com algumas malignas feridas. Ele coloca sobre ela aquelas neves brilhantes, alguns grãos apenas, uma pequena pilha de poeira estrelada. O braço cansado é lentamente levantado até sua cabeça que é pouco mais do que uma caveira, a respiração fraca suga para dentro aquele pó radiante. Agora temos de esperar. Um minuto - talvez cinco.

Em seguida, acontece o milagre dos milagres, tão certo quanto a morte, e ainda assim tão magistral quanto a vida; uma coisa tão milagrosa, por ser tão repentina, além do curso normal de evolução. Natura non facit saltum - a natureza não dá saltos. Verdade - por conseguinte, este milagre é como se fosse algo contra a natureza.

A melancolia desaparece, os olhos brilham; a boca pálida sorri. Quase varonil retorna o vigor, ou parece retornar. Fé, esperança e amor tumultuam-se muito ansiosos para o baile, tudo o que foi perdido é encontrado.

O homem está feliz.

Para um a droga pode trazer vivacidade, para outro langor; para outro força criativa, a outro energia incansável, para outro glamor, e para outro ainda, tesão. Mas cada um à sua maneira está feliz. Pense nisso! - Tão simples e tão transcendental! O homem está feliz!

Eu viajei pelos quatro cantos do mundo; tenho visto tais maravilhas da Natureza que a minha caneta ainda titubeia quando eu tento descrevê-las, tenho visto muitos dos milagres do gênio do homem, mas eu nunca vi uma maravilha como esta.

II.

Não existe uma escola de filósofos, fria e cínica, que descreve a Deus como um zombador? Que pensa que Ele toma Seu prazer no desprezo da pequenez de Suas criaturas? Eles deveriam basear as suas teses sobre a cocaína! Pois aqui está a amargura, a ironia, a crueldade inefável. Este dom de felicidade súbita e certa é dado senão como uma tentação. A história de Jó não detém tal secura amarga. O que pode ser mais detestável, demoniacamente irônico do que isso, oferecer tamanha bênção, e adicionar que "Isso você não deve usar"? Nós não poderíamos ser deixados para enfrentar as misérias da vida, ruins como elas são, sem essa angústia mestre, conhecer a perfeição de toda a alegria ao nosso alcance, e o preço desta alegria dez vezes mais acelerado do que a nossa angústia?

A felicidade da cocaína não é passiva ou plácida como a dos animais, ela é auto-consciente. Ela diz ao homem o que ele é, e o que ele poderia ser; ela oferece-lhe a aparência da divindade, só para que ele possa saber que é como um verme. Ela desperta o descontentamento com tanta intensidade que nunca se deve dormir de novo. Ela cria fome. Dê a cocaína a um homem que já é sábio, estudado para o mundo, moralmente forte, um homem de inteligência e auto-controle. Se ele realmente for mestre de si mesmo, ela não irá lhe fazer mal algum. Ele a reconhecerá como uma armadilha: ele terá o cuidado de repetir experiências como conforme puder fazê-lo, e o vislumbre de seu objetivo pode, eventualmente, até mesmo estimulá-lo à sua realização por esses meios que Deus designou para os Seus santos.

Mas a dê para um estúpido, ao auto-indulgente, ao 'blasé' - para o homem mundano, numa palavra - e ele está perdido! Ele diz, e sua lógica é perfeita: 'Isto é o que eu quero'. Ele não conhece o verdadeiro caminho, nem pode conhecer, e o caminho falso é o único para ele. Existe a cocaína ao seu dispôr, e ele a usa de novo e de novo. O contraste entre sua vida de larva e sua vida de borboleta é amargo demais para que sua alma não-filosófica possa suportar; ele se recusa a tomar o sulfúreo como antídoto.

E assim ele já não pode mais tolerar os momentos de infelicidade, ou seja, os de uma vida normal, pois ele agora os nomeia assim. Os intervalos entre as suas indulgências diminuem.

E eis que o poder da droga diminui a temíveis passos. As doses aumentam; o prazer diminui, efeitos colaterais, invisíveis no início, surgem, pois eles são como diabos com forquilhas de fogo em suas mãos.

Uma única experimentação da droga não traz nenhum reação perceptível em um homem saudável. Ele vai para a cama no devido horário, dorme bem, e acorda fresco. Índios sul-americanos mastigam habitualmente esta droga em sua forma bruta, quando marcham, e realizam prodígios, desafiando a fome, sede e cansaço, mas eles só usam-na em casos extremos; e o longo descanso com comida farta permite ao corpo reconstruir seu capital. Além disso, selvagens, diferentemente da maioria dos moradores das cidades, têm senso moral e força.

O mesmo vale para os chineses e indianos no uso do ópio. Todos usam, e só em casos raros é que isso se torna um vício. É para eles quase como o tabaco é para nós.

Mas, para aquele que abusa da cocaína por sua natureza prazeiroza, em breve fala, e não é ouvido. Os nervos cansam da estimulação constante, pois eles precisam de descanso e sustento. Chega a um ponto em que o cavalo cansado não atende mais ao açoite e à espora. Ele tropeça, cai tremulamente, e expira sua vida.

Assim definha o escravo de cocaína. Com cada nervo clamando, tudo o que ele pode fazer é renovar o açoite do veneno. O efeito farmacêutico está acabado, o efeito tóxico se acumula. Os nervos se tornam insanos. A vítima começa a ter alucinações. "Veja! Há um gato cinzento nessa cadeira. Eu não disse nada, mas ele estava ali o tempo todo".

"Ou, há ratos, eu adoro vê-los correr até as cortinas. Ah, sim! Eu sei que eles não são ratos de verdade. Isso é um rato real, mesmo assim, no chão. Quase me matou naquele momento. Esse é o rato original que eu vi, ele é um rato real. Eu o vi primeiro no peitoril da minha janela certa noite".

Tal coisa, calmamente falada aos montes, é mania. E em breve o prazer passa, e é seguido por seu oposto, como Eros por Anteros.

"Ó, não! eles nunca vêm perto de mim". Alguns dias passam, e eles estão rastejando sobre a pele, roendo interminavelmente e intolerávelmente, repugnantes e sem remorso.

É desnecessária a imagem final, tão prolongada quanto possa ser, pois, apesar da habilidade desconcertante desenvolvida pelo desejo pela droga, a condição de insanidade entrava no paciente, e muitas vezes a abstinência forçada por um tempo vai longe para acalmar os sintomas físicos e mentais. Em seguida, um novo suprimento é adquirido, e com dez vezes mais ânsia o maníaco, tomando a trouxa entre os dentes, galopeia pelo escuro limiar da morte.

E antes daquela morte vêm todos os tormentos da maldição. A sensação de tempo é destruída, de modo que uma hora de abstinência abriga mais horrores do que um século do espaço-tempo da dor.

Psicólogos pouco entendem sobre como o ciclo fisiológico da vida e da normalidade do cérebro, tornam a existência mesquinha, tanto para o bem quanto para o mal. Para se ter idéia, jejue por um dia ou dois, veja como a vida se arrasta com uma dor constante subconsciente. Com a fome da droga, este efeito é multiplicado por mil. O próprio tempo é abolido, o inferno real eterno e metafísico está presente na consciência que perdeu seus limites, sem encontrar Aquele que é ilimitado.

III.

Muito disso já é bem conhecido; o sentido dramático obrigou-me a enfatizar o que é normalmente entendido, por causa do tamanho da tragédia - ou da comédia, se alguém tem esse poder de se afastar da humanidade que nós atribuímos apenas aos maiores dos homens, a Aristófanes, aos Shakespeares, a Balzac, a Rabelais, os Voltaires, os Byrons, aquele poder que torna os poetas em um momento lamentáveis das desgraças dos homens, em outro alegremente desdenhosos de suas frustrações.

Mas devo sabiamente enfatizar o fato de que os melhores homens podem usar esta droga, e muitos outros, com benefícios para si e para a humanidade. Assim como os índios de que falei acima, ela será utilizada apenas para realizar alguns trabalhos que eles não poderiam fazer sem ela. Eu exemplifico Herbert Spencer, que usava a morfina diariamente, nunca excedendo uma determinada dose. Wilkie Collins, também, superou a agonia da gota reumática com láudano, e nos deu obras-primas insuperáveis.

Alguns foram longe demais, Baudelaire crucificou-se, mente e corpo, no seu amor pela humanidade; Verlaine se tornou pelo menos o escravo do passado o qual tinha sido mestre por muito tempo. Francis Thompson suicidou-se com o ópio, do mesmo modo fez Edgar Allan Poe. James Thomson fez o mesmo com o álcool. Os casos de De Quincey e H. G. Ludlow são menores, mas semelhantes, com láudano e haxixe, respectivamente. O grande Paracelso, que descobriu o hidrogênio, o zinco e o ópio, deliberadamente empregadou o excitamento do álcool, contrabalançado por exercício físico violento, para trazer à tona os poderes de sua mente.

Coleridge fez o seu melhor sob efeito do ópio, e devemos a perda do final do "Kubla Khan" à interrupção de um importuno "homem de Porlock", sempre maldito na história da raça humana!

IV.

Considere a dívida da humanidade com o ópio. Ele é absolvido da morte de uns poucos vagabundos devido ao seu abuso?

Pois a importância deste trabalho é a discussão da questão de ordem prática: as drogas deveriam ser acessíveis ao público?

Aqui vou fazer uma pausa a fim de mendigar a indulgência do povo americano. Eu sou obrigado a tomar um ponto de vista ao mesmo tempo surpreendente e impopular. Eu sou obrigado a pronunciar certas verdades terríveis. Estou na posição nada invejável de alguém que pede aos outros para fechar os olhos para o particular para que possam assim visualizar o geral.

Mas acredito que, em matéria de legislação, a América é o principal processo em cima de uma teoria totalmente falsa. Eu acredito que a moral construtiva é melhor do que a repressão. Eu acredito que a democracia, mais do que qualquer outra forma de governo, deve confiar nas pessoas, como ela especificamente pretende fazer.

Agora me parecem melhores e mais ousadas as táticas para atacar a teoria oposta em seu ponto mais forte.

Deve ser demonstrado que nem mesmo no caso mais discutível um governo é justificado em restringir o uso por conta ou abuso; ou permitindo que a justificação deixe-nos disputar sobre a conveniência.

Então, para o bastião - as drogas "viciantes" deveriam ser acessíveis ao público?

O assunto é de interesse imediato; pois a falha admitida da Lei Harrison trouxe uma nova proposta - a de fazer um mal pior.

Não vou discutir aqui a tese geral de liberdade. Homens livres há muito que decidiram. Quem vai afirmar que o sacrifício voluntário da vida de Cristo foi imoral, porque roubaram do Estado um contribuinte útil?

Não; a vida de um homem é sua, e ele tem o direito de destruí-la como ele quiser, a menos que ele também intrometa-se mesquinhamente nos privilégios de seus vizinhos.

Mas este é apenas o ponto. Nos tempos modernos, a comunidade inteira é seu vizinho, e não podemos prejudicá-la. Muito bem; então há prós e contras, e um equilíbrio a ser alcançado.

Nos Estados Unidos, a idéia de proibição em todas as coisas é realizada, principalmente pelos jornais histéricos, a um extremo fanático, "Sensacionalismo a qualquer custo, no próximo domingo" é o equivalente na maioria das salas de redação da ordem alegada alemã para capturar Calais. Daí o perigo de tudo e de nada são comemorados ditirambicamente pelos Coribantes da imprensa, e o único remédio é a proibição. A atirou em B com um revólver; solução, a Lei Sullivan. Na prática, isso funciona muito bem, pois a lei não é aplicada contra o proprietário que mantém um revólver para sua própria proteção, pois é uma arma útil contra o bandido e salva a polícia da dificuldade de provar a intenção dolosa.

Mas essa é a idéia de que estava errado. Recentemente, um homem atirou em sua família e em si mesmo com um rifle equipado com um silenciador Maxim. Solução, um projeto de lei para proibir silenciosos Maxim! Não na percepção de que, se o homem não tivesse uma arma a princípio, ele teria estrangulado a sua família com as mãos.

Os reformistas americanos parecem não ter idéia, em qualquer momento ou em qualquer outro contexto, de que o único remédio para o errado é o certo; de que a educação moral, auto-controle, boas maneiras, vão salvar o mundo; e de que a legislação não é apenas uma palheta quebrada, mas um vapor sufocante. Além disso, um excesso de legislação derrota seus próprios meios. Isso faz de toda a população criminosos, e transforma-os todos em policiais e espiões da polícia. A saúde moral de um tal povo está arruinada para sempre; só a revolução pode salvá-lo.

Agora, na América a Lei de Harrison torna teoricamente impossível para o leigo, difícil até mesmo para o físico, obter "narcóticos". Mas todos as outras lavanderias chinesas são um centro de distribuição de cocaína, morfina e heroína. Negros e vendedores ambulantes também estão tendo um negócio próspero. Algumas pessoas acreditam que uma em cada cinco pessoas em Manhattan é viciada em uma ou outra dessas drogas. Mal posso acreditar nesta estimativa, embora a ânsia por diversão é maníaca entre este povo que tem tão pouca apreciação pela arte, literatura ou música, que não tem, em suma, nenhum dos recursos que o povo de outras nações, em suas próprias mentes cultivadas, possuem.

V.

Era uma pessoa muito cansada, naquela tarde quente de verão em 1909, que vagava em Logronho. Até o rio parecia com preguiça de correr, e parava em poças, com a sua língua de fora, por assim dizer. O ar brilhava suavemente; na cidade os terraços dos cafés estavam lotados de pessoas. Eles não tinham nada para fazer, e uma firme determinação de fazê-lo. Eles estavam bebendo o vinho bruto dos Pirineus, ou o Riojo do Sul bem regado, ou brincando com cervejas-escuras de cerveja clara. Se qualquer um deles pudesse ler o trato de Major O'Ryan para o soldado americano, eles teriam suposto que suas mentes foram afetadas.

"O álcool, não importa se você chamá-lo de cerveja, vinho, whisky, ou por qualquer outro nome, é um criador de ineficiência. Enquanto ele afeta os homens de formas diferentes, os resultados são os mesmos, em que todos os afetados por ela deixam naquele momento de ser normais. Alguns ficam esquecidos, outros briguentos. Alguns tornam-se barulhentos, alguns ficam doentes, alguns cochilam, outros têm suas paixões muito estimuladas."

Quanto a nós, estávamos em marcha para Madrid. Fomos obrigados a nos apressar. Uma semana, ou um mês, ou no máximo um ano, e devemos deixar Logronho em obediência ao som da trombeta do dever.

No entanto, nos determinamos a esquecer disso, por enquanto. Sentamos, e trocamos opiniões e experiências com os nativos. Do fato de que estávamos com pressa, eles julgaram que fossemos anarquistas, e ficaram bastante aliviados com a nossa explicação de que éramos "ingleses loucos". E todos nós ficamos felizes juntos; e eu ainda estou me punindo pela tolice de ter ido para Madrid.

Se você está em um jantar em Londres ou em Nova York, você é mergulhado em um abismo de entorpecimento. Não há nenhum assunto de interesse geral; não há inteligência; é como esperar por um trem. Em Londres superam seu ambiente bebendo uma garrafa de champanhe o mais rapidamente possível; em Nova York se enchem de coquetéis. Os vinhos leves e cervejas da Europa, tomados em medida moderada, não são bons; não há tempo para ser feliz, então precisa ser excitado ao invés disso. Jantando sozinho, ou com amigos, em oposição a uma festa, pode-se relaxar com Burgundy ou Bordeaux. Tem a noite toda para ser feliz, e não tem pressa. Mas o novaiorquino regular não tem tempo nem mesmo para um jantar-festa! Ele quase lamenta a hora em que seu escritório fecha. Seu cérebro ainda está ocupado com seus planos. Quando ele quer "prazer", ele calcula que pode gastar apenas meia hora para isso. Ele tem que derramar os mais fortes licores goela abaixo na maior velocidade possível.

Agora imagine esse homem - ou essa mulher - atrasado. O tempo disponível ligeiramente reduzido. Ele não pode mais perder dez minutos na obtenção de "prazer"; ou ele não ousa beber abertamente por conta de outras pessoas. Bem, seu remédio é simples; ele pode obter uma ação imediata da cocaína. Não há nenhum cheiro; ele pode ser tão discreto quanto qualquer ancião da igreja pode desejar.

O mal da civilização é a vida intensa, o que exige a estimulação intensa. A natureza humana exige prazer; prazeres saudáveis exigem lazer; temos de escolher entre intoxicação e a siesta. Não existem viciados em cocaína em Logronho.

Além disso, na ausência de uma Atmosfera, a vida exige uma Conversa; temos de escolher entre a intoxicação e o cultivo da mente. Não há nenhum viciado entre as pessoas que estão preocupadas principalmente com a ciência e a filosofia, arte e literatura.

VI.

No entanto, vamos admitir as alegações proibicionistas. Vamos admitir a tese da polícia de que a cocaína e o restante das drogas são usadas por criminosos que, de outra forma, não teriam a coragem de operar; eles também alegam que os efeitos da droga são tão mortais que o mais inteligente dos ladrões rapidamente torna-se ineficaz. Então, pelo amor dos céus estabeleçam depósitos onde eles possam conseguir cocaína de graça!

Você não pode curar um viciado em drogas, você não pode torná-lo um cidadão útil. Ele nunca foi um bom cidadão, ou ele nunca teria caído em escravidão. Se você recuperá-lo temporariamente, à muito custo, riscos e problemas, o seu trabalho todo desaparece como a névoa da manhã quando ele encontra a sua próxima tentação. O remédio adequado é deixá-lo seguir sua própria macha para o diabo. Em vez de menos droga, dê-lhe mais drogas, e termine logo com ele. Seu destino será uma advertência ao seus vizinhos, e em um ano ou dois, as pessoas terão o bom senso de evitar o perigo. Aqueles que não têm, que morram também, e salvem o estado. Fracotes morais são um perigo para a sociedade, independentemente da linha onde residem suas falha s. Se eles são tão amáveis a ponto de se matar, é um crime interferir.

Você diz que enquanto essas pessoas estão se matando elas vão causar danos. Talvez; mas eles estão fazendo isso agora.

A proibição criou o mercado negro, como sempre faz; e os males disso são incomensuráveis. Milhares de cidadãos se aliaram para derrotar a lei; na verdade são ludibriados pela própria lei a fazê-lo, uma vez que os lucros do comércio ilegal se tornaram enormes, e quanto mais próximo da proibição, mais exageradamente grandes eles são. Você pode acabar com o uso de lenços de seda desse modo: as pessoas dizem: "Tudo bem, vamos usar toalhas". Mas o "viciado em cocaína" quer cocaína, e você não pode empurrar a ele o sal de Epsom . Além disso, sua mente perdeu toda a sua proporção; ele irá pagar qualquer coisa por sua droga, ele nunca vai dizer: "Eu não posso aceitar isso", e se o preço for alto, ele vai roubar, furtar, matar para obtê-lo. Volto a dizer: não se pode recuperar um viciado em drogas; tudo o que você faz impedindo-os de sua obtenção, é criar uma classe de criminosos sutil e perigosa; e mesmo quando você os tem encarcerados todos eles, algum deles está melhor?

Embora tais grandes lucros (de um a dois mil por cento) devem ser feitos pelos vendedores secretos, é do interesse destes vendedores fazer novas vítimas. E os lucros neste momento são de tal ordem que seria o valor do meu tempo para ir a Londres e voltar de primeira classe para contrabandear cocaína não mais do que eu poderia esconder no forro do meu casaco! Todas as despesas pagas, e uma soma considerável no banco no final da viagem! E para toda a lei, e os espiões, e o resto disso, eu poderia vender as minhas coisas com muito pouco risco em uma única noite no Tenderloin.

Outro ponto é este. A proibição não pode ser levada ao extremo. É impossível, em última instância, negar drogas aos médicos. Agora os médicos, mais do que qualquer outra classe única, são viciados em drogas; e, também, há muitos que traficarão drogas por causa do dinheiro ou do poder. Se você possui um suprimento de droga, você é o mestre, do corpo e da alma, de qualquer pessoa que precisar dela.

As pessoas não entendem que uma droga, para sua escrava, é mais valiosa do que o ouro ou os diamantes; uma mulher virtuosa pode estar acima de rubis, mas a experiência médica nos diz que não existe mulher virtuosa na necessidade de drogas que não seria prostituta de um trapeiro por uma única cheirada.

E se for realmente o caso de que um quinto da população usa alguma droga, então isso é muito pouco, a ilhazinha errada está ameaçada por tempos muito animados.

O absurdo da tese proibicionista é demonstrado pela experiência de Londres e outras cidades europeias. Em Londres, qualquer proprietário ou pessoa aparentemente responsável pode comprar quaisquer drogas, tão facilmente como se fossem queijos; e Londres não está cheia de maníacos delirantes, cheirando cocaína em cada esquina, nos intervalos dos assaltos, estupros, incêndios, assassinatos, má-fé no escritório e delitos graves, assim como estamos certo de que precisa ser o caso se uma pessoa livre é gentilmente autorizada a exercer um pouco de liberdade.

Ou, se a contenção proibicionista não fosse absurdo, é um comentário sobre o nível moral do povo dos Estados Unidos que teria sido justamente representado pelos porcos gadarenos depois que os demônios tinham entrado neles.

Não estou aqui para protestar em seu nom e. Permitindo a justiça da observação. Continuo a dizer que a proibição não é a cura. A cura é dar ao povo algo sobre o que pensar, para desenvolver as suas mentes; para preenchê-las com ambições além de dólares; a criação de um padrão de realização que deve ser medido em termos de realidades eternas; em uma palavra: educá-los .

Se isso parecer impossível, muito bem, é apenas um outro argumento para incentivá-los a usar cocaína.

Fonte

Traduzido por Frater S.R.

(extraido de: http://pt.hadnu.org/cocaina)

segunda-feira, 5 de março de 2012



Ao carinhoso amigo Roberto Marinho:
"A Cocaína" de Sinhô cantada por Anabel Albernaz


sexta-feira, 11 de novembro de 2011