domingo, 28 de junho de 2009

Cocaína
por William S. Burroughs

Cocaína é a mais estimulante de todas as drogas que utilizei. A euforia concentra-se na cabeça. Talvez a droga ative diretamente certos circuitos de prazer situados no cérebro. Suponho que a passagem de uma corrente elétrica no lugar certo provocaria o mesmo efeito. O efeito pleno da cocaína só pode ser obtido através da injeção endovenosa. Os efeitos agradáveis não duram mais que cinco ou dez minutos. Se a droga é injetada na pele, a rápida eliminação anula os efeitos. Isto vale duplamente quando ela é aspirada.


É prática comum entre os cocainômanos ficar acordado a noite inteira injetando a intervalos de um minuto, alternando com picadas de heroína ou cocaína e heroína misturadas na mesma injeção para formar um "barato rápido".


O desejo de cocaína pode ser intenso. Eu já passei dias inteiros andando de uma farmácia a outra para conseguir que me aceitassem uma receita de cocaína. Você pode querer cocaína intensamente. Mas seu metabolismo não tem nenhuma necessidade dela. Se não consegue cocaína, você come vai dormir e esquece. Já conversei com pessoas que tomavam cocaína durante anos, depois foram subitamente desligados de sua fonte de abastecimento. Nem um deles sofre qualquer sintoma de abstinência. De fato, é difícil compreender como um estimulante de cérebro possa criar vício. O vício parece ser um monopólio dos sedativos.


O uso prolongado de cocaína provoca nervosismo, depressão; algumas vezes psicose tóxica com alucinações paranóides. O nervosismo e a depressão resultantes do uso da cocaína não se aliviam consumindo cocaína. Mas são efetivamente aliviados pela morfina. O uso de cocaína por um viciado em morfina sempre leva a injeções maiores e mais freqüentes de morfina.


II


Por desgraça, nos sistemas nervosos ocidentais, a palavra droga provoca um reflexo de temor, desaprovação e lascívia. Droga, no entanto, nada mais é do que um nome genérico de qualquer agente químico. O álcool é uma droga sedante, de ação similar aos barbitúricos; entretanto, em função de associações puramente verbais, não pensamos no álcool como uma droga, simplesmente porque é a nossa droga nacional.


O departamento Americano de narcóticos classifica como drogas tóxicas substâncias cujos efeitos fisiológicos chegam a ser opostos. A morfina é um autentico antídoto contra a intoxicação por cocaína; a cannabis é uma substância alucinógena sem qualquer afinidade química ou fisiológica com a cocaína ou a morfina. No entanto, as três são classificadas como narcóticos. E inquestionavelmente o termo 'droga' possui um forte impacto emocional na opinião pública , mesmo usado desta forma vaga, carecendo de uma significação precisa e útil. Isso é bastante ruim.