terça-feira, 1 de novembro de 2011

Poemas cocainômanos

A cocaína

(canção-tango, 1923) - J. B. da Silva "Sinhô"

Só o vício me traz

Cabisbaixa me faz

Reduz-me a pequenina

Quando não tenho à mão

A forte cocaína.

Quando junto de mim

Ingerida em porção

Sinto só sensação

Alivia-me as dores

Neste meu coração.

Ai, ai és a gota orvalina

Só tu és minha vida

Só tu ó cocaína.

Ai, ai mas que amor purpurina

É o vício arrogante

De tomar cocaína.

Sinto tal comoção

Que não sei explicar

A minha sensação

Louca chego a ficar

Quando a sinto faltar.

Esse sal ruidoso

Que a mim só traz gozo

Somente de olhar

E para esquecer

Eu começo a beber.

Quando estou cabisbaixa

Chorando sentida

Meio entrestecida

É que o vício da vida

Torna a alma perdida.

Louca hás de voltar

Vendo-me estrangular

Para o vício afogar

Neste toque fugaz

Que me há de findar.


Não Sei Dançar

Manuel Bandeira


Uns tomam etér, outros cocaína.

Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.

Tenho todos os motivos menos um de ser triste.

Mas o cálculo das probalidades é uma pilhéria...

Abaixo Amiel!

E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.

Sim, já perdi, pai, mãe, irmãos.

Perdi a saúde também.

É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.

Uns tomam etér, outros cocaína.

Eu tomo alegria!

Eis aí por que vim a este baile de terça-feira gorda.

Mistura muito excelente de chás...

Esta foi açafata...

- Não, foi arrumadeira.

E está dançando com o ex-prefeito municipal.

Tão Brasil!

De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...

Há até a fraçaõ incipiente amarela

Na figua de um japonês.

O japonês também dança maxixe:

Acugêlê banzai!

A filha do usineiro de Campos

Olha com repugnância

Para a crioula imoral.

No entanto o que faz a indecência da outra

É dengue nos olhos maravilhosos da moça.

E aquele cair de ombros...

Mas ela não sabe...

Tão Brasil!

Ninguém se lembra da política...

Nem dos oito mil quilômetros de costa...

O algodão de Seridó é o melhor do mundo... Que me importa?

Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.

A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.

Eu tomo alegria!


O Branco

por Preto Antônio Figueira

Cocaína meu amor,
A você toda minha fúria
E minha vontade de ficar só,
Não há alimento para minha fome
E ninguém moverá para mim
O chumbo da minha razão

Deusa Branca do Tédio e dos dentes trincados
Acaricia com sua tubulação de mistérios bem acordados
Minha cabeça de pombo e meu cobertor
Sei que anuncia a Água Superior
E a ovulação da Senhora árabe

Cocaína meu amor,
Estou completamente pirado
Pairando sobre a tremura fundamental
Arremessado no oco da alma
Esperando de ti a Brancura do Fogo
Para que eu abocanhe de vez o ar
E continue pedindo mais

(http://caodedezembro.blogspot.com/2011/08/o-branco.html)